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(A Era Jomon em Yamanashi e Nagano)
Diego Ramos: CIR de Minas Gerais, Brasil
Outubro/Novembro de 2020, Yamanashi
Umenoki Iseki (Sítio Arqueológico Umenoki)
Estima-se que a cultura Jomon teve início a 14.000a.c. após a quarta glaciação. O termo “Jomon” faz alusão aos padrões de corda encontrados nas peças de cerâmica que se tornaram característica marcante desta civilização pré-histórica.
Existem inúmeros sítios arqueológicos do período Jomon espalhados pelo arquipélago japonês, dentre os quais, aquele localizado no território que atualmente abrange as províncias de Yamanashi e Nagano datam de 5.000 anos atrás, aproximadamente. Os vasos de barro originários do período supracitado, encontrados em enormes quantidades em comparação a outras fases da era Jomon, tornaram-se a característica mais proeminente destes sítios arqueológicos. Segundo pesquisadores, a região das províncias de Yamanashi e Nagano teria sido a mais populosa da era auge dos vasos e esculturas Jomon.
Muito do que se considera consenso entre os diversos centros de pesquisa sobre a cultura Jomon parte de suposições e reconstituições elaboradas a partir de evidências físicas encontradas nos sítios arqueológicos. O trabalho de pesquisa dos arqueólogos somado às evidências geográficas do período, e, recentemente, avanços tecnológicos das últimas décadas trouxeram importantes descobertas sobre as quais discorreremos brevemente a seguir.
Durante os meses de outubro e novembro de 2020, participamos de diversas visitas guiadas a exposições, museus, sítios arqueológicos e lugares históricos com o objetivo de aprender sobre a cultura Jomon. Neste artigo apresentarei um pouco do que aprendi durante as visitas e trarei de forma sucinta alguns conteúdos que considerei mais interessantes.
Por tratar-se de uma cultura oriental arcaica, de características e simbologia notoriamente distintas de outras sociedades pré-históricas, não há possibilidade de se fazer uma análise aprofundada sobre as hipóteses levantadas acerca da simbologia Jomon no presente trabalho. Como estamos tratando de vários centros culturais dedicados (a maioria deles inteiramente) à cultura Jomon, obviamente, existem muitos pontos em comuns nos ensinamentos de nossos arqueólogos guias. Sendo assim, abordarei de forma breve conceitos gerais e trarei alguma peculiaridade de cada local visitado
Existe na comunidade arqueológica a hipótese de que a acidez do solo japonês torne difícil a preservação íntegra de fósseis em geral. Os fósseis humanos encontrados são de pequeno porte, o que contribuiu, dentre outros fatores, para o grande destaque dado às peças de barro encontradas em grande número, variedades em designs tridimensionais cuja complexidade intriga a sociedade arqueológica internacional.
A pedra negra atualmente utilizada na confecção de bijoterias e peças ornamentais teve papel fundamental na estrutura econômica dos assentamentos durante a Era Jomon. O mineralóide que é uma espécie de vidro formado pelo contato da lava vulcânica com o solo é amplamente encontrado em regiões de atividade volcânica. Pelo que mostram os sítios arqueológicos a obsidiana foi amplamente utilizada durante o período Jomon na confecção de ferramentas das mais variadas.
Acredita-se que a grande concentração da pedra na região de Yamanshi e Nagano teria sido um dos fatores que contribuíram com a grande atividade na região durante o período. Para alguns arqueólogos, a importância da obsidiana no auge na era Jomon era tamanha a ponto de defenderem a existência de uma economia baseada na pedra negra. Tal corrente de pensamento traz a hipótese de que a localização, confecção de ferramentas e trocas comerciais que envolviam o mineralóide teriam influenciado de maneira determinante na localização dos assentamentos tanto como nas migrações em massa durante o período.
A imagem ao lado é do Museu Obsidiana Experience, da Província de Nagano que foi constituído numa área de preservação histórica cujo sítio arqueológico abriga resquícios da pedra negra que podem ser encontradas em abundância no solo sendo este seu local de origem o qual é aberto à visitação guiada.
O guia do museu nos explica sobre o processo de sedimentação da Obsidiana com o auxílio desta representação em tamanho real rica em detalhes.
Museu Obsidiana Experience (Kokuyouseki-taiken museum) na Província de Nagano
Museu Obsidiana Experience (Kokuyouseki-taiken museum) na Província de Nagano
O acervo do museu inclui explicações sobre as ferramentas que teriam sido usadas pelos ancestrais caçadores e coletores do povo japonês em comparações com utensílios de nosso tempo.
Museu Obsidiana Experience (Kokuyouseki-taiken museum) na Província de Nagano
O local ainda oferece ao visitante, como o próprio nome sugere, uma experiência mão-na-massa com a pedra negra. Munidos de ferramentas que emulam os recursos disponíveis na era Jomon e simples explicações, através de um método visual e intuitivo, tornamo-nos capazes de confeccionar pingentes, chaveiros ou até mesmo pontas de lança feitas de obsidiana.
Outro local visitado foi o Museu Shakado, localizado na cidade de Fuefuki, Yamanashi. Este é o segundo maior sítio arqueológico de cultura jomon do Japão (o primeiro encontra-se na província de Aomori).
Shakado – Museu de Cultura Jomon
Shakado possui uma robusta exposição que conta com diversas peças praticamente intactas, peças reconstituídas, e diversos fragmentos além de incríveis vasos de barro reconstituídos que mostram a peculiaridade da cultura Jomon. Grande parte das evidências físicas da existência da cultura Jomon são os vasos e fragmentos de vasos que teriam sido utilizados das mais variadas formas.
Shakado – Museu de Cultura Jomon
Vasos como o da esquerda eram utilizados no cozimento das refeições, enquanto os da direita que estão de ponta cabeça, eram utilizados, segundo pesquisadores, como sepultura para bebês com morte prematura ou no parto. Estes vasos possuem a base chata e com um furo no meio que, segundo pesquisadores, teria a função de permitir que a alma do bebê retornasse à casa. Os vasos encontrados enterrados dentro do perímetro do que seria uma cabana estavam, em grande parte, de ponta cabeça e próximos à entrada.
O Sítio Histórico Ruínas Umenoki, localizado na cidade de Hokuto, Yamanashi abrange uma grande área de descobertas arqueológicas e evidências de atividade humana durante a era Jomon. Baseado em evidenvcias que vão desde as características geográficas da região somadas a forma como diversos conjuntos específicos de pedras foram encontradas reunidas, diversas peças de barro e até rastros de fogueiras no solo, os arqueólogos elaboraram reconstituições das casas utilizadas pelo povo Jomon.
Sítio Histórico Ruínas Umenoki, em Yamanashi.
Segundos os estudiosos de Umenoki, uma cabana como esta leva, ao menos, uma semana para ser erguida. A reconstituição foi elaborada com galhos, cascas de arvores e barro na constituição do teto.
A terra avermelhada encontrada seria uma evidência da presença constante de uma fogueira no interior das cabanas. As chamas em contato com as pedras e as peças de barro utilizadas na preparação da comida seria a causa de tal fenômeno.
A coordenação do sítio arqueológico está estudando uma maneira de oferecer aos turistas uma estadia no estilo Jomon, o serviço incluirá preparação de comida com os recursos do período além de vários ensinamentos do que se descobriu através de todos estes anos de pesquisa sobre o período.
O Centro de Transmissão da Cultura Local de Minami Alpes, em Yamanashi possui algumas peças raras do acervo Jomon, como a da imagem abaixo, réplica, cuja original estava em empréstimo temporário a outro museu. A peça foi inspiração para a criação do mascote que deu maior visibilidade ao museu após ganhar um concurso nacional de mascotes.
O ponto mais marcante nesta visita além das peças raras expostas no local, foi a prontidão do guia em nos deixar tocar nas peças e a paixão com que ele nos explicou com detalhes características geográficas que contribuíram com a preservação das peças abaixo do solo. Segundo o arqueólogo, a grande camada de areia que ultrapassaria os 100m de profundidade presente no solo teria contribuído com a preservação de diversas peças em meio a séculos de enxurradas, inundações e terremotos.
Visitamos, também, o sítio arqueológico Kinsei – Museu Arqueológico da Cidade Hokuto que é um sítio proveniente de um assentamento tardio da era Jomon. O local que foi designado como sítio arqueológico nacional em 1983 abriga, além de diversas peças reconstituídas e fragmentos, um local que teria sido utilizado em situações especiais como confraternizações segundo arqueólogos.
As cabanas são frutos de reconstituições arqueológicas, pois os materiais utilizados na confecção destas (madeira e argila) não sobrevivem ao tempo. Entretanto, o conjunto de pedras é uma reconstituição fiel à original que está enterrada no mesmo local.
Kinsei – Museu Arqueológico da Cidade Hokuto
No museu arqueológico Kinsei aprendemos sobre o que pode vir a ser uma evidência sobre a presença de sementes na dieta do povo Jomon. Através de pesquisas arqueológicas recentes que utilizaram tecnologias de prótese dentária e análises de DNA, foi constatada a presença de orifícios nos vasos de barro com resquícios de variedades selvagem de grãos que conhecemos como a soja.
O Chinoshi Museu de Arqueologia Jomon, na Província de Nagano foi um de nossos últimos destinos. O local reúne um acervo com inúmeras peças importantes do período Jomon intactas ou com grande parte reconstituída como a da imagem abaixo. A estatueta teria sido encontrada na tarde de 8 de setembro de 1986, como descreve a legenda do quadro.
As estatuetas encontradas em todos os sítios arqueológicos Jomon têm característica específicas: todos os corpos retratados são femininos em gestação. Os quadris largos, a presença de seios e barriga acentuada seriam evidências a favor de tal teoria.
Chinoshi Museu de Arqueologia Jomon/ Museu Arqueológico Idojiri /Shakado – Museu de Cultura Jomon
Outra característica marcante das peças da era Jomon é a ausência de figuras essencialmente humanas. As estatuetas apresentam figuras femininas, porém não humanas. As proporções corporais são diferenciadas, a quantidade de dedos nas mãos dos seres representados varia entre 2 e 4, nunca 5. Animais como tartaruga, cobra ou javali são retratados nos designs 3D dos vasos que serviam para o preparo dos alimentos.
Segundo especialistas, uma das hipóteses mais aceita seria a de que assim como os vasos, através do calor do fogo, transforma os alimentos energia de vida aos corpos, o corpo feminino traz a vida a este mundo.
① ② ③
1. Museu Arqueológico da Província de Yamanashi;
2. Centro de Transmissão da Cultura Local de Minami Alpes;
3. Museu Arqueológico Ido.
No Museu Arqueológico da Província de Yamanashi, além dos tradicionais vasos de barro, os brincos no estilo alargador chamaram a atenção por apresentarem semelhanças ao costume atual adotado como forma de estilo por certos grupos no ocidente. Além do tamanho compatível, outra evidencia à favor da hipótese de que estas peças teriam sido de fato utilizados como brincos no estilo alargadores seria a presença dos mesmos em estatuetas como a que se encontra à direita dos brincos na imagem.
Pintura inspirada em reconstituições de uma vila da era Jomon - Museu Arqueológico da Província de Yamanashi
Nosso último destino foi o Museu Arqueológico Idojiri, localizado na província de Nagano.
Em nossa visita ao local dois fatores nos chamaram a atenção: o levantamento de hipóteses que podem ser consideradas um tanto quanto polêmicas por arqueólogos responsáveis por outros sítios arqueológicos. O guia do local nos “advertiu” de forma descontraída na entrada: “Sugiro que deixem do lado de fora o que aprenderam nos outros locais que visitaram antes de começarmos, mas peço que não se esqueçam de retomar estes conhecimentos antes de partir”.
Os estudiosos responsáveis pelo sítio arqueológico do museu Idojiri defendem a existência de uma produção agrícola em pequena escala, já na era Jomon. Esta hipótese vai em direção contrária à ideia mais aceita dentre os pesquisadores de que o povo Jomon teria sido semi-nômade, caçador e colhetor. A hioótese de que os habitantes da era Jomon alimentavam-se, dentre outras coisas, de variedades nativas de sementes e grãos do grupo dos feijões como soja é amplamente aceita, e, recentemente sendo reafirmado a partir de novos estudos como os do musei Kinsei, citados acima. Entretanto, a polêmica estaria em levantar a hipótese de que o povo Jomon cultivava sementes (sendo eles povos semi-nômades). A principal evidência concreta à favor de tal corrente de pensamento seria o grande volume de ferramentas de pedra encontradas em cada espaço de terra reconhecido como uma única moradia: entre 15 à 25 ferramentas de pedras cuja aparência é semelhante às usadas para o roçado, capinagem, e o cultivo da terra em geral.
Museu Arqueológico Idojiri, Província de Nagano
“A lua velha nos braços da lua nova” - Museu Arqueológico Idojiri, Província de Nagano
Outra interessante hipótese levantada por estudiosos do Museu arqueológico Idojiri seria a hipótese de ter havido, durante a era Jomon, a existência de crenças astrológicas de cunho religioso que justificariam a devoção/ homenagens ao sapo nos vasos de barro. Os estudiosos vão além e relacionam tal hipótese com crenças que teriam vindo da China que seria interpretado no ocidente como “The old moon in the arms of the new moon” ou no português “A lua velha nos braços da lua nova”. Apesar de interessantíssima, a hipótese de um suposto paralelismo entre a cultura Jomon, chinesa não são embasadas por evidências amplamente aceitas no meio histórico arqueológico.
Aos fãs das animações dos estúdios Ghibli vale a pena citar o fato de que o criador e desenhista das produções sr. Hayao Yamazaki mora é natural de Nagano onde morou por muito tempo, de modo que, alguns nomes de personagens místicos de produções como Princesa Mononoke foram inspirados em nomes de localidades da cidade de Fujimi e redondezas, na Província de Nagano.
Museu Arqueológico da Província de Yamanashi
Obrigado por ter chegado até aqui. Espero que a leitura do presente artigo tenha transmitido um pouco da minha percepção sobre a cultura Jomon: misteriosa, intrigante cuja compreensão de fato aprofunda-se, lentamente, com o avanço tecnológico, porém que sempre irá reservar uma parte à nossa imaginação, o que me parece fascinante. Nenhuma leitura, fotos ou vídeo poderá substituir a riqueza de uma visita aos sítios arqueológicos e museus. Portanto, caso tenha oportunidade, visite os museus de nosso sítio arqueológico na Província de Yamanashi e nossa província vizinha Nagano e mergulhe você também nesta aventura repleta de mistérios que é a pré-história japonesa.
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